A ex-general do "NYT", jornalismo e Copa do Mundo
19/07/14 09:00Diante de uma plateia de não mais que 30 pessoas na sala do apartamento de uma escritora em Manhattan, Jill Abramson volta quase 40 anos no tempo para falar sobre como nasceu sua paixão pelo jornalismo.
Pés descalços –que exibem as unhas pintadas de vermelho— sobre um banquinho de plástico, a mulher de 1,46 metro que comandou o “New York Times” por dois anos e oito meses até ser demitida, em maio, relembra quando, aos 22 anos, foi enviada pela revista “Time” a New Hampshire, para as primárias de 1976.
No bar do hotel onde estava hospedada –assim como praticamente toda a imprensa que se deslocou para lá—, ela sentou e constatou, admirada, que dividia o ambiente com jornalistas como Johny Apple, Walter Mears e Theodore White.
“Lembro de olhar longamente para eles e pensar: aqui estão os jornalistas cujas reportagens me abriram uma janela excelente para o meu país”, conta, num ritmo pausado de quem deseja aproveitar novamente a experiência –agora por meio das palavras.
Ainda hoje lhe seduz a narrativa detalhada de White em “The Making of the President, 1960”, sobre a eleição de John F. Kennedy.
“Os detalhes são tão vívidos. No primeiro capítulo (…) ele conta que era 2h da manhã [do dia seguinte à eleição] e ainda não havia vencedor. JFK toma então a decisão serena de ir dormir, só que antes vai à geladeira para fazer um sanduíche e… não tem leite. Ele fica puto da vida”, conta Abramson, rindo.
“Esse é um jeito tão intrigante e convidativo de te fazer entrar na história dos anos 60. Obviamente, hoje todos sabem o resultado [da eleição], mas ele ainda consegue criar uma tensão narrativa no livro.”
Logo depois, porém, ela desabafa: “Hoje vivemos no mundo do Twitter, onde tudo é tão momentâneo, que esse tipo de reportagem é difícil de fazer.”
Abramson reconhece o poder do Twitter, da internet, dos novos dispositivos de leitura –como tablets e smartphones—, do jornalista “multitarefa”. Mas sente falta das grandes reportagens.
Elogia então a reportagem publicada no último sábado pelo ex-colega Walt Bognadich. Duas páginas de jornal sobre uma única história de mais uma vítima de crime sexual numa universidade americana. “Li na tela do celular”, confessa. “Fiquei passando páginas e páginas.”
Apesar de se render à tecnologia por vezes –cita o caso de sucesso do Snowfall, projeto multimídia do “Times” realizado sob sua chefia que estabeleceu um novo modelo de reportagem–, ela diz acreditar que o jornal impresso terá, por um bom tempo, o seu papel (inevitável o trocadilho em português).
“O jornal ainda é um modo muito efetivo de absorver informação. Pense aqui no metrô de Nova York: apesar de o wi-fi ter chegado a algumas estações, é muito mais conveniente ter o seu jornal”, argumenta. Para ela, contudo, há espaço para os dois tipos de leitura: digital e no papel. “Só depende de cada situação.”
Ela aposta que, até o fim de sua vida profissional, pelo menos, ainda haverá “revistas vibrantes” e que o jornalismo ainda tem “um papel vital no processo político”. “Boas reportagens políticas são mais importantes hoje do que nunca”, afirma.
Demissão
Depois de um silêncio de dois meses, Abramson falou ao seleto grupo sobre como se sentiu após a demissão do “Times”. “Não foi a melhor experiência da minha vida. Mas, com o tempo, você acaba lidando com ela”, desabafou.
Ela disse ter se espantado com a dimensão que sua saída ganhou, lembrando que dezenas de jornalistas viajaram até o interior da Carolina do Norte só para cobrir seu discurso em uma universidade, após a demissão: “É esquisito se tornar ‘a história’”.
Em tom saudoso, disse que, se pudesse voltar atrás, teria escrito mais reportagens no período em que foi editora-executiva. “Nos últimos anos, sempre transitei entre ser repórter e editora. E sempre sentia falta do que eu não estava fazendo.”
Abramson vai agora lecionar narrativa de não ficção em Harvard, universidade que lhe marcou e onde conheceu Henry, seu marido há 33 anos.
Ela inclusive tem o “H” de Harvard tatuado nas costas, ao lado do “T” do “New York Times” –o que virou uma polêmica à parte após sua demissão. Segundo a própria Abramson, essas foram as duas instituições que a “moldaram”. Nos ombros, tem mais duas tatuagens: de um lado a antiga ficha usada no metrô de Nova York, aposentada em 2003, e, de outro, o símbolo da bandeira da Carolina do Sul, Estado onde viveu.
Abramson parece à vontade no papel de palestrante/professora: ao menos para plateias reduzidas. Faz piada e segue fazendo perguntas.
“Do Brasil? Você não vai me perguntar sobre a Copa, vai?”, diz, sorrindo, ao que eu respondo que, “por favor, vamos mudar de assunto”. Afinal, até quando mesmo vamos sofrer com os 7 a 1?
“Tá tudo bem”, me consola Abramson, antes de ouvir a pergunta de fato. “Eu me sinto da mesma forma com o Yankees.”
PS: A palestra foi organizada pela organização sem fins lucrativos The Common Good”. Veja a matéria publicada na Folha aqui.