As descobertas de Whitman e Beauvoir em Nova York
03/05/14 18:34A minha melhor aquisição desde que cheguei a Nova York é, sem dúvida, uma compilação de diários de quem morou ou passou pela cidade nos últimos quatro séculos (1609 a 2009, mais especificamente).
“New York Diaries”, editado por Teresa Carpenter, que teve a sua primeira edição lançada em 2012, traz, dia a dia, as anotações de gente como George Washington, Mark Twain e Albert Camus, e também de blogueiros de Nova York, atletas e moradores mais “comuns” sobre a rotina na cidade, sobre algo extraordinário que aconteceu naquele dia ou simplesmente divagações.
Às vezes, a leitura é apenas curiosa. Mas ela também traz pérolas, como os textos escritos por Walt Whitman e Simone de Beauvoir em 3 de maio. Ele, em 1847. Ela, em 1947.
A “dobradinha” do dia traz descobertas feitas pelos dois, com um século de diferença.
Aos 27 anos, Whitman, o pai da poesia moderna norte-americana, discorreu sobre os “benefícios dos banhos regulares”, numa clara tentativa de convencer seus pares em Nova York da necessidade da prática diária.
“As pessoas não imaginam nem a metade dos benefícios dos banhos regulares”, disse Whitman, para quem essa prática já deveria fazer parte da vida de “todo homem, mulher e criança deste país”, no meio do século 19.
“Nada mais é necessário para o banho, exceto uma jarra de água, uma esponja e uma toalha; usando isso diariamente, você vai se sentir melhor e viver mais”, escreveu.
No texto, ele defende o banho frio, seja no verão ou no inverno, para pessoas saudáveis. “[Mas] Para aqueles a quem o banho é uma novidade, a água morna é a melhor opção – a ser gradualmente substituída pela água a uma temperatura normal.”
O BASEADO DE BEAUVOIR
A descrição de Simone de Beauvoir é um pouco mais detalhada, e a “descoberta”, mais ousada.
“Em como todas as grandes cidades, as pessoas usam muita droga em Nova York. Cocaína, ópio e heroína têm uma clientela especializada, mas há um estimulante suave que é comumente usado, apesar de também ser ilegal –a marijuana”, começou a escritora, que, aos 39 anos, passou pela cidade durante a temporada de quatro meses em que rodou os EUA, em 1947.
E seguiu: “Em quase todos os lugares, especialmente no Harlem (sua situação econômica leva muitos negros ao tráfico ilegal de drogas), cigarros de maconha são vendidos disfarçadamente. Os músicos de jazz que precisam manter um alto nível de intensidade pela noite a utilizam”.
“Ainda não foi descoberto nenhum problema fisiológico decorrente dela, o efeito é quase como o da Benzedrina, e essa substância parece ser menos prejudicial que o álcool”, descreveu ela, demonstrando que os argumentos se mantêm praticamente os mesmos mais de 60 anos depois.
No diário, a parisiense disse estar menos interessada em experimentar a maconha do que em estar num lugar onde ela estivesse sendo fumada. Com isso, foi levada por um amigo a um luxuoso hotel de Manhattan, onde um grupo fumava escondido em um quarto.
“Eles me oferecem um primeiro cigarro: o gosto é amargo, desagradável. Não sinto nada.” Cada cigarro, segundo ela, custava US$ 1. Tentou mais um. “Eu fiz o meu melhor, e nada. Eles me dizem: ‘Levanta e dá uma volta’. (…) Parece que eu deveria sentir como se estivesse sendo carregada por anjos: os outros me dizem que estão flutuando.”
Se sentindo visivelmente pressionada e frustrada, ela decidiu tentar uma última vez. “Todos olhos estão voltados para mim, e são críticos e severos. Eu me sinto culpada e minha garganta está ardendo. Nenhum anjo parece se importar em me levantar do chão. Eu não devo mesmo ser suscetível à maconha. Volto à minha garrafa de bourbon.”