A NY de García Márquez
19/04/14 13:15Uma Nova York que “apodrece”, mas, já simultaneamente, inicia seu “processo de renascimento”. Foi assim que Gabriel García Márquez descreveu o período em que viveu na cidade, no início de 1961, como correspondente da agência estatal cubana “Prensa Latina”.
“É como uma selva. Me fascinou”, disse ao escritor americano William Kennedy, anos depois da sua passagem por aqui.
Fascínio e tensão, na verdade, foram os sentimentos que marcaram García Márquez em sua breve temporada de cinco meses em Nova York.
Aos 33, ele chegou à cidade com a mulher, Mercedes, e o filho, Rodrigo –na época, com pouco mais de um ano—, dias depois de os EUA romperem relações com Cuba, em janeiro de 1961. A empreitada até então lhe instigava, mas depois acabou se mostrando um desafio que o jovem casal não estava disposto a enfrentar.
Isso porque o recém-inaugurado escritório da “Prensa Latina” em Nova York, localizado num antigo edifício do complexo do Rockefeller Center, no coração de Manhattan, havia se tornado o alvo preferencial dos anticastristas.
Naquela época, os refugiados cubanos em Miami já eram mais de 100 mil. Muitos deles iam parar em NY.
As ameaças por telefone eram constantes, e, aos insultos por telefone, Gabo e seus colegas já tinham uma resposta-padrão: “Diselo a tu madre, cabrón!”.
Segundo o biógrafo Gerald Martin, autor de “Gabriel García Márquez – Uma Vida”, os jornalistas da sucursal do “Prensa” sempre tinham “armas caseiras” à mão para se defender de um possível ataque.
“Não havia conhecido até então um lugar mais adequado para ser assassinado”, afirmou García Márquez, certa vez, sobre o local em que trabalhava. “Era um escritório sórdido e solitário, com uma sala de telex e uma sala de redação com uma única janela que dava para um pátio abismal, sempre triste e com cheiro de fuligem, de cujo fundo vinha a toda hora o barulho dos ratos disputando as sobras nas grandes latas de lixo.”
Certa vez, por volta da meia noite, ele recebeu um telefonema dizendo que “tinha chegado a sua hora”. Gabo avisou por telex: “Se a linha permanecer aberta depois da 1h, é porque me mataram”. A resposta do escritório de Havana foi: “Mandaremos flores”. A volta para casa naquele dia, pela Sexta Avenida, seria ainda mais tensa que nos outros dias.
Durante a curta temporada, Gabo morou com a mulher e o filho pequeno num hotel, o Webster (hoje o três estrelas The Midtown Executive Club), ao lado da Quinta Avenida. Até lá, o casal foi alvo de ameaças, fazendo com que Mercedes tivesse que deixar o local por um tempo para ficar na casa de uma amiga com Rodrigo. Nesta época, García Márquez acabou ficando mais tempo na redação, e não raras vezes passou a noite no sofá da sucursal.
Para ele, o “deadline” de sua temporada em Nova York era o enfrentamento militar entre EUA e Cuba, que acabou se dando em abril, na invasão da Baía dos Porcos. “Não houve na história militar de todos os tempos uma guerra mais anunciada”, diria depois. Durante o período mais intenso da crise, chegou a ir usar um telex público na Quinta Avenida, para “tentar driblar a CIA”.
Com muita insistência sobre o escritório de Havana, deixou Nova York em maio de 1961, rumo a Nova Orleans, onde receberia mais dinheiro para seguir em direção ao México. Com o bebê de 18 meses e a mulher, percorreu de carro Maryland, Virgínia, as duas Carolinas, Geórgia, Alabama e Mississippi.
A rota de “fuga” de Nova York, pelas cidades segregadas entre brancos e negros ao Sul, acabou se transformando num alento para a experiência americana de Gabo: colocou o escritor em contato direto com o mundo retratado por William Faulkner, um dos autores que mais o influenciou.