Os 1.300 de Utah
23/02/14 15:18Quando você começa a apurar uma matéria sobre casamento gay e a buscar as histórias dos casais envolvidos na luta por seu reconhecimento pelo Estado, geralmente encontra belos casos de perseverança, superação e, claro, de amor.
Alguns –mais especificamente 1.362— deles chamaram a minha atenção em particular. Moradores de Utah, eles se casaram, mas tiveram uma janela de apenas 17 dias de “legalidade”: entre a decisão de um juiz federal declarando inconstitucional a proibição ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, em dezembro, e o recurso apresentado pelo governo estadual e sua recusa em reconhecê-los, em janeiro.
O Departamento de Justiça americano, que não pode intervir na decisão estadual, disse que reconheceria os casamentos realizados no que concerne à gestão federal. A decisão sobre seu status no Estado de Utah será julgado na Corte de Apelações local em abril.
Jeremy Eskelsen, 37, (uma simpatia em pessoa) me contou pelo telefone temer que a decisão vá parar na Suprema Corte, já que nenhum dos dois lados deve se dar por satisfeito, seja qual for a decisão sobre o recurso.
“Estou muito otimista, mas isso eventualmente vai acabar na Suprema Corte –e o que vai acontecer lá, eu não sei, porque ela está muito dividida”, disse.
Jeremy e Mike, 34, estão juntos há 12 anos. Se conheceram pela internet, namoraram por três anos e resolveram se “casar” mesmo sem ser legal em Utah. Tiveram uma cerimônia com os amigos a família, troca de alianças, votos –mas não papeis oficiais.
Quando souberam, três anos depois, que a Califórnia permitiria o casamento para moradores de fora do Estado, Jeremy pegou um avião para encontrar Mike, que estava, por acaso, a trabalho em Los Angeles. Os dois se casaram de novo, de bermudas e camisetas, numa pequena capela da cidade.
Mas sua união seguiria não sendo reconhecida em seu próprio Estado. Foi quando, em dezembro passado, ao deixar uma festa de fim de ano de sua empresa, Jeremy viu a notícia de que um juiz havia autorizado o casamento em Utah.
“Eu achava que algum dia o casamento gay seria reconhecido no status federal, mas sempre achei que Utah seria o último Estado a aprová-lo!”, me contou.
“Eu corri para pegar o Mike, e perguntei: ‘Você quer se casar comigo aqui, no nosso Estado? Você casaria de novo comigo?’”. A resposta foi um terceiro sim, mas acompanhado de um: “A gente pode fazer isso na segunda?”.
Jeremy, antecipando a recusa do governo nas semanas seguintes, insistiu: teriam que fazer naquele momento, não dava para saber quanto tempo iria durar a decisão.
“Entramos na fila no cartório e quando Connie, o nosso amigo que nos casou, perguntou se eu aceitava Mike como meu esposo, respondi: ‘Três vezes’”.
Naquele dia, centenas de outros casais também correram para dizer sim, sorrir e chorar.
“Havia centenas de pessoas nos corredores ou se espremendo nas calçadas, e enchendo o salão principal: ninguém sabia quanto tempo este momento iria durar. Não me lembro de ter presenciado antes tanta alegria e tanto amor em um espaço lotado e maravilhosamente caótico. E não apenas entre os próprios casais, mas compartilhados, em muitos casos, por seus filhos, pais ou irmãos”, lembrou o prefeito de Salt Lake City, Ralph Becker, em depoimento a um jornal local, “The Salt Lake Tribune”.
Marcy Taylor, 38, e Alicia Rizzi, 45, esperaram quatro dias após a decisão do juiz federal, mas a cerimônia não teve menos emoção por isso. Na véspera de Natal, elas chegaram ao cartório acompanhadas da família toda.
“Foi um dia doce e amargo. Não era como eu imaginei que iria me casar. Eu queria uma festa. Eu queria um casamento de Halloween, com fantasias, bolos pretos e open bar. Eu queria ter escrito votos de casamento que fariam meus pais chorar. Eu queria ser tratada de forma normal. Eu queria que tivesse sido algo mais do que uma correria”, disse Marcy.
“Mas quando nós nos encaramos frente a frente, eu olhando nos olhos da mulher que eu amo há nove anos, as exigências desapareceram e percebemos que, a partir dali, estaríamos protegidas legalmente. Eu chorei. Ela chorou.”
Marcy também diz temer o que vem por agora, em termos de decisão judicial. “A euforia durou 17 dias. O cartão do seguro de saúde na carteira dela, que diz que ela é solteira, vai permanecer, como uma mentira, até que o processo nos tribunais esteja completo”, diz.
Além de Jeremy e Mike e Marcy e Rizzi, outros casais resolveram compartilhar suas histórias no projeto “17 Days in Utah”, que tenta reunir parte dos 1.362 casais envolvidos nessa batalha jurídica.
Se você quiser também conhecer os casos de Kenneth e David, Jude e Dianna, Emily e Krista, Seth e Michael… clique aqui.
E leia aqui também a matéria, que foi publicada na Folha deste domingo sobre o avanço do casamento gay por meio dos tribunais nos EUA.