As cores de Capa
15/02/14 13:08Da China, onde cobria a invasão japonesa ao país, em 1938, o fotógrafo Robert Capa fez um pedido por carta a um colega da Magnum, em Nova York:
“Por favor, me mande imediatamente 12 rolos de Kodachrome com todas as instruções; que filtros especiais são necessários, etc. –-resumindo, tudo o que eu preciso saber.”
Até aquele momento, Capa não havia se interessado em trabalhar com fotografia em cores. Sua produção ia bem em preto e branco, e ele já tinha feito trabalhos que ganharam notoriedade, como a foto de um soldado caindo ao ser atingido por um tiro durante a Guerra Civil Espanhola, em 1936.
Ele, no entanto, tinha uma ideia para a revista “Life” e queria tentar o Kodachrome, filme criado três anos antes e que depois se tornaria um dos preferidos de fotógrafos por gerações, justamente por conferir uma saturação nunca antes vista. Só quatro fotos coloridas “sobreviveram” à cobertura na China e seriam publicadas pela “Life” sem grande entusiasmo.
A fria reação da revista seria reproduzida por outras publicações sobre todo o trabalho colorido de Capa, constantemente preterido em relação aos seus registros em preto e branco. Com isso, poucas fotos em cores de Capa se tornaram realmente conhecidas. Até agora.
Com a exposição “Capa in Color”, o International Center of Photography, em Nova York –fundado pelo irmão mais novo de Capa, Cornell—traz ao público mais de cem imagens coloridas do fotógrafo, a maioria até hoje nunca exibida.
Na mostra, é possível ver também cartas entre Capa, seus agentes e as revistas, geralmente recusando os trabalhos em cores, questionando sua qualidade.
O próprio Capa confessa ao irmão, numa delas, as dificuldades em trabalhar com o novo material. “Metade das fotos está mal revelada – mas eu sou um bom fotógrafo! E eu tenho esperança de que eles publiquem”, disse, em 1941.
Apesar de reconhecer as limitações do processo –ser um filme com velocidade menor, ter um processo mais longo e complicado de revelação e enfrentar a falta de interesse das revistas–, Capa insistiria em levar consigo duas máquinas (uma com filme preto e branco e uma com o Kodachrome) em quase todas as suas coberturas a partir da Segunda Guerra.
Na exposição, contudo, é possível perceber a distinção feita por Capa entre os filmes. Ao contrário das imagens fortes de guerra feitas em PB, o filme colorido foi deixado por ele para o registro de cenas mais leves, do cotidiano.
Mesmo em meio à Segunda Guerra, a cor foi usada para fotografar temas laterais, como soldados lutando boxe num navio (veja na galeria).
Variações de séries que ficaram famosas em preto e branco, como as de Pablo Picasso com sua família na praia de Vallarius, na França, em 1948, também podem ser vistas na exposição.
A leveza da foto colorida de Picasso brincando com o filho Claude no mar, porém, não foi suficiente para sensibilizar os editores da “Illustrated”, que preferiram o ensaio em preto e branco –que, ok, traz a delicadíssima imagem do artista “escoltando” sua mulher, Françoise Gilot, com um enorme guarda-sol enquanto caminham na praia.
Outra “versão” colorida é a da imagem –eternizada em preto e branco— de espectadores que observam, com seus binóculos, uma corrida de cavalos na França.
Em Kodachrome, Capa fotografou Truman Capote, Ernest Hemingway com o filho, a atriz Ava Gardner. Privilegiou o vermelho de batons (como na imagem de Gardner e no ensaio com a modelo francesa Capucine em Roma), de biquínis na praia, da Praça Vermelha em Moscou.
Levou o filme colorido até a Indochina (hoje Vietnã), sua última cobertura. Há imagens em cores de soldados avançando pelo território de maio de 1954, poucos dias antes de sua morte, por uma mina terrestre, no Delta do Rio Vermelho.
Vale a pena se programar, se você estiver pensando em passar por Nova York até 4 de maio. A entrada custa US$ 14, e o International Center of Photography fica fechado às segundas apenas.
>> Leia mais sobre a “ressurreição” da cor na fotografia dos mestres do preto e branco em reportagem publicada aqui.